segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A sombra sou eu

A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.
Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável de minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.
Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.
Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!
(autor: Almada Negreiros)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Cidade, Rumor e Vaivém



Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
montanhas sem nome e planícies mais vastas
que o mais vasto desejo,
e eu estou em ti fechada e apenas vejo
os muros e as paredes, e não vejo
nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
e que arrastas pela sombra das paredes
a minha alma que fora prometida
às ondas brancas e às florestas verdes.
(autor: Sophia de Mello Breyner Andresen)

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A minha aldeia

Homens que trabalhais na minha aldeia,
Como as árvores, vós sois a Natureza.
E se vos falta, um dia, o caldo para a ceia
E tendes de emigrar,
Troncos desarreigados pelo vento,
Levais terra pegada ao coração.

E partis a chorar.
Que sofrimento,
Ó Pátria, ver crescer a tua solidão!
(autor: Teixeira de Pascoais
1898)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

caiu de chofre no rio
o sol

riram de vermelho amarelo e roxo
as ervas

estendem os braços e acariciam as águas
os salgueiros

gargarejam no leito
as pedras

riram as malvas e os lírios na margem

alvoraçadas as águas sussurram
impando nas pedras

sujo e triste
indiferente e manso
o Tejo
prossegue o caminho
do mar

lá onde há-de vestir-se de azul
enrendilhado de espuma
irá beijar as costas dos continentes

e nunca mais voltará a ser
o rio Tejo
que lambia a minha aldeia
(autor: Tibério Gil)